Comentários sobre o Aviso de nº. 04/2020 do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON-MG

Comentários sobre o Aviso de nº. 04/2020 do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON-MG.

Comentários sobre o Aviso de nº. 04/2020 do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON-MG.

O Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON-MG, aos 18 de março de 2020, assinou o Aviso nº 04/2020, que, após diversas considerações relacionadas ao surto da COVID-19, informou aos órgãos de defesa do consumidor, às policias civil e militar e aos consumidores, que a elevação sem justa causa do preço de produtos e serviços pelo fornecedor, abusando da premente necessidade do consumidor, constitui prática abusiva punida pelo CDC (art. 39, X).

Afirma, ainda, que, em tese, a elevação em percentual superior a 20% (vinte por cento) ao preço de compra, constitui crime contra a economia popular, punido com pena de detenção de 6 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa (Lei Federal nº 1.521/51, art. 4º, “b”).

O Aviso PROCON-MG também instrui o consumidor a apresentar, na sua reclamação, informações acerca da data e do preço, além da identificação do estabelecimento comercial reclamado.

Como consequência da ampla divulgação midiática a respeito do tema, há um crescimento exponencial de notificações ao setor supermercadista envolvendo denúncia de Crimes contra a Economia Popular, resultado de reclamações de consumidores entendendo abusivo o valor do produto em virtude da grande procura, face a pandemia do novo Coronavírus – (2019-nCov).

Contudo_, data venia_, entende-se que houve uma grande confusão interpretativa no que tange ao art. 4º, “b”, da Lei Federal nº 1.521/51, usura real, que, em verdade, não se refere ao percentual sobre o preço de compra.

A conclusão que se pretende chegar é distinta daquela obtida da leitura do Aviso nº. 04/2020 do PROCON-MG, entretanto antes de adentrar mais profundamente na questão interpretativa, um ponto se sobrepõe: a Lei Federal 1.521/51 foi recepcionada pela Constituição Federal?

A garantia do funcionamento do livre mercado deve ser regida por normas próprias de funcionamento, sobretudo econômicas. Isso significa que a formação do preço deve atender a determinados fatores.

O mercado deve equilibrar-se de acordo com sua própria lógica.

A tutela da economia popular teve início, por meio de legislação específica, em um contexto constitucional muito diferente dos dias atuais.

Por um prisma diverso, dispõe a Constituição Federal vigente sobre liberdade econômica e livre iniciativa, recentemente reforçada pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei Federal 13.874/2019).

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IV - livre concorrência;

Não obstante a Constituição Federal dispor de maneira explícita sobre o princípio da livre iniciativa, em setembro de 2019 foi publicada a Lei Federal 13.874 para instituir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

            Dispõe a referida lei como essenciais para o desenvolvimento e crescimento econômicos do país, a possibilidade de definir livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços.

LEI Nº 13.874, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019

Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado

(…)

CAPÍTULO II

DA DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE ECONÔMICA

Art. 3º  São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

(…)

III - definir livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda;

Consequentemente, a Lei Federal 1.521/51 que colide com o regramento da livre iniciativa e concorrência da Constituição Federal, ainda, de forma mais acintosa, afronta dispositivos legais vigentes publicados posteriormente.

Conclui-se por ausência de fundamento legal que o sustente, o Aviso nº 04/2020 do PROCON-MG, já que a Lei 1.521/51 não foi recepcionada pela Constituição Federal, bem como está revogada, conforme argumentos expostos alhures.

No entanto, ainda que considerada recepcionada constitucionalmente e vigente em nosso ordenamento, o art. 4º, “b”, da Lei Federal nº 1.521/51 não se refere ao percentual sobre o preço de compra.

A Lei Federal 1.521/51 traz em seu texto na parte que se relaciona ao tema ora debatido:

Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:

(…)

  1. b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

Alicerçado neste dispositivo o Órgão de Defesa do Consumidor passou a entender e, divulgar, que o supermercado ou empresário comerciante não poderiam praticar preços de venda 20% (vinte por cento) superior ao preço de compra.

Há de se destacar que a pretensa definição de limitação de 20%, a partir do valor fixado para aquisição do produto, contraria frontalmente a lógica do razoável.

Importante destacar que o custo decorrente da aquisição dos produtos junto aos distribuidores é apenas um, dentre inúmeros elementos componentes do preço final comercializado pelo revendedor.

Ora, a definição da margem de lucro obtida em razão da atividade é de natureza econômica e contábil, de modo que sua identificação demanda a verificação de todos os custos necessários ao exercício da atividade. Somente após a verificação e dedução de receita menos despesas é possível identificar o lucro do revendedor.

O ramo revendedor alimentar possui um complexo modelo de precificação, que leva em consideração o conjunto de mercadorias colocadas à disposição para comercialização, e o indicador econômico-financeiro capaz de dizer se o preço de um produto será suficiente para cobrir todos os seus custos e despesas.

Em função da lógica e dinâmica do mercado existe uma enorme variação de margem em determinados itens em função das ofertas, da concorrência e da quantidade vendida. Desse modo, há itens vendidos com margens maiores ou menores, ou até mesmo a preço de custo.

 O resultado final do negócio (lucro patrimonial) não deve ser arbitrado olhando-se de maneira linear, unitariamente, e sim pela composição do mix de margem de todos os itens comercializados.

Ao final das apurações de receita e despesas nos supermercados, o resultado final ou lucro líquido é em torno de 1% e 2%,[1], sendo composto por diversas margens de milhares de produtos.

Portanto, resta claro que a formação de preço no varejo alimentar é atividade demasiadamente complexa e não implica, simplesmente, na aplicação de percentual sobre o preço da mercadoria adquirida (Nota Fiscal de compra).

Com fincas a determinar o preço de venda de uma mercadoria, deve-se considerar todos os custos e despesas incidentes no negócio. Noutro giro, para caracterização de preços excessivos ou do aumento injustificado dos preços, devem ser observadas variantes, além de outras circunstancias econômicas e mercadológicas relevantes.

Neste sentido, observar-se-á que não existe qualquer traço característico de preços excessivos ou do aumento injustificado dos preços, o valor de revenda do produto extrapolar o percentual de 20% do valor de compra.

De todo exposto, conclui-se que a referida Lei Federal nº 1.521/51, em seu artigo 4º, não faz referência à margem do item vendido considerando exclusivamente o valor de compra e sim a apuração de lucro patrimonial.

Sendo o lucro patrimonial no caso do varejo alimentar composto por inúmeras variáveis, extremamente dinâmicas, de acordo com o modelo de negócio da empresa, formato de loja (supermercado; cooperativa; atacarejo; minimercado; etc…) e que ainda sofre impactos dos custos gerais entre outras diversas questões técnicas.

Por todo exposto, entende-se que está havendo no caso concreto grande confusão interpretativa, que criou um novo tipo penal, e, por isso, culminando em uma espécie de “caça as bruxas”, partindo do pressuposto que os revendedores estariam aumentando os preços apenas para obter proveito do atual momento em que estamos vivendo.

Para uma analise mais extensiva sobre a questão, demandaria ainda sopesar o tema sobre o aspecto criminal, ótica processual e probatório[2], fugindo ao cerne deste trabalho que buscou discutir a interpretação extraída da norma pelo Órgão Fiscalizador.

Arrematando, importante relembrar que o livre jogo do mercado é sadio, somente justificando-se a intervenção estatal em caso de infração concorrencial e que a conclusão de que o preço é excessivo deve ser o resultado de verificação técnica, não devendo ser presumida.

[1]Associação Brasileira de Supermercados - ABRAS (https://www.abras.com.br/clipping.php?area=1&clipping=15391).

[2] Parecer de Mérito nº 42/2020 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, afastando a recomendação do Aviso 04/2020 do PROCON/MG.

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